top of page
  • Foto do escritorBe Melo

Brasileira

Atualizado: 14 de mai. de 2022

Nem preta, nem branca. Nem clara, nem escura... “Tem certeza que você está no lugar certo? Eu não estou entendendo o porquê de você estar aqui... Você não é negra, não é crespa e nem é branca!” - Foi isso que eu ouvi numa manhã chuvosa de sexta-feira. Apesar do clima, do horário cedo que acordei e da distância de casa, eu estava super animada para o casting de uma marca de produtos de beleza super conhecida no Brasil.


Como um eco dentro da minha cabeça, a frase ficou se repetindo por horas e horas, “Tem certeza que você está no lugar certo? Eu não estou entendendo o porquê de você estar aqui... Você não é negra, não é crespa e nem é branca!”. Cara, isso foi de uma estranheza tamanha para os meus ouvidos. Fiquei em choque no momento em que ouvi. Eu nunca havia passado por situação parecida, não soube nem o que responder.


Murchei na hora, não sabia onde enfiar a cara perante as demais modelos. Seria eu o problema? A expectativa que estava alta, a alegria de participar daquele casting e o brilho nos meus olhos desapareceram num sopro. Fiquei apática, sem graça, confusa e desconfortável por estar ali. Angustiada, o teste foi um fiasco. A booker fez questão de me passar na frente para logo me dispensar.


Na minha visão, aquele comentário foi de tamanha indelicadeza, que por dias e dias me perdi. Se não sou nem uma coisa e nem outra, afinal o que sou? Quem sou eu? Se meus pais são tidos como negros, por que não serei eu também? O tom indefinido de minha pele agora atingira as profundezas do meu ser e a minha não-identidade desabrochou de uma só vez.


Não saber quem somos já é uma questão grande o bastante, mas quando a dúvida é imposta friamente de fora, a questão toma proporções ainda maiores. Por semanas a fio não soube quem eu era. Naquele dia chorei copiosamente como uma criança recém-nascida, indefesa e sem fala.


Me olhei no espelho umas 20 vezes, conversei comigo mesma, me revoltei, senti vergonha, fiquei com raiva daquela mulher, sofri. Ô, se sofri. Cheguei a reproduzir aquelas cenas de novela em que a dor é tamanha que a gente se encosta na parede e escorrega devagar. Chorei, me procurei, mas não encontrei.


Olhei meu book cautelosamente, por onde fui selecionada, no espelho eu era a mesma pessoa. O que aconteceu, afinal? Não ser reconhecida me doeu no fundo da alma. Me deixei sofrer, me perder para que então, em algum dia eu voltasse a me encontrar. E aconteceu.


Para alguns sou parda, para outros tenho cor de nada. Há quem diga que não sabe o que sou. Sou cor de burro quando foge, morena, moreninha, morena clara, pretinha, miscigenada, negra, pardinha. Enfim, sou a mistura de tudo isso e mais um pouco. Sou brasileira.


Demorou um tempo, mas me enxerguei. Sou brasileira, com muito orgulho. A aparência e meu exterior não me definem. Sou fruto de meus antepassados aos quais devo enorme respeito. Sou a mistura de etnias, culturas e regiões. Nas minhas veias correm sangue de mais de uma nação. Como pode alguém querer me definir? E eu mesma, me reduzir a uma coisa só?


Sou resultado de gerações miscigenadas que se entrepassaram por regiões a perder de vista. Tenho pai de pele dourada, mãe de pele negra, avós de pele clara, um avô de pele escura, um bisavô de olhos azuis, bisavós de cabelo liso, tataravó indígena e por aí vai. Decidi aceitar que não é possível me definir. Sou toda essa mistura, como muitos brasileiros. E está tudo bem. O meu cérebro não é atrasado por conta disso, não levanto bandeiras raciais e nem me chateio mais com questionamentos irracionais.


Sou o que sou: Brasileira


(Beatriz Melo)

14 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
Post: Blog2_Post
bottom of page